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FERNANDO BURJATO

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Fernando Burjato

Diário, 2020/2021

36 desenhos em caneta permanente sobre papel

Fernando Burjato 

1972, Ponta Grossa, PR.

Vive e trabalha em São Paulo, SP.

Artista plástico, graduado pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná e mestre e doutor em Artes pela Unesp. Seu trabalho se desenvolve sobretudo em torno da pintura e do desenho. 

Possui obras nos acervos do Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC-PR), do Museu Municipal de Arte de Curitiba (MuMA), do Museu Oscar Niemeyer (MON) e da Casa da Cultura da América Latina da Universidade de Brasília (UnB).

Site: https://www.fernandoburjato.com.br 

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Faz duas décadas que as pinturas abstratas, de cores fortes e vibrantes, se destacam na obra de Fernando Burjato; assim o público o reconhece. Essa linguagem e suas formas talvez pareçam distantes dos desenhos que compõem a série Diário, mas não estão. O conjunto é atípico, sim, o próprio artista reconhece, mas de forma alguma estranho. Porque o hábito de desenhar sempre o acompanhou, e agora é a nossa vez de conhecer essa faceta de seu trabalho. 

Os retratos começaram a surgir, um após o outro, quando o isolamento social se impôs como uma forma de conter a pandemia. Para a criação de cada peça, foram utilizados mais de um tipo de papel (pardo e branco), reunidos num caderno de anotações, canetas de tinta acrílica e marcadores permanentes de álcool (que têm a ponta semelhante à de um pincel) em tons de cinza, branco e azul-turquesa. Desenhar o que via nas telas foi uma brincadeira pensada para que o artista gastasse o tempo, o que tomou suas energias e rendeu frutos agradáveis. 

Do bloco de papel surgiram as figuras de Átila Iamarino, Flávia Oliveira e Caetano Veloso, ao lado de autoridades da República e parlamentares, de intelectuais e profissionais de imprensa. E Burjato não deixou de lado quem despreza: “Os maus-carateres representam bem esse momento. Não é uma galeria de heróis nem de vilões”. As molduras formam uma coleção dos rostos que protagonizaram os acontecimentos do ano e que, de certa forma, habitaram nosso imaginário, mobilizando nossa simpatia e aversão, além de outras emoções. Desenhando a partir das imagens em movimento, o artista forma uma “paisagem da TV”, como ele mesmo define. 

Trata-se também de uma galeria de porta-vozes, representantes do poder institucional e simbólico. E do poder midiático: a imprensa que media a relação entre as instituições, os grupos sociais e a população. Que retrata a realidade e decide quais pautas merecem maior ou menor atenção. Que afeta a opinião pública e as subjetividades – no momento em que vivemos, ao mesmo tempo, a pandemia e a crise econômica, a corrosão institucional, a violência política e o embrutecimento de corações e mentes. Microfones e fones de ouvidos surgem aos montes, nenhuma coincidência, já que Diário expõe um retrato da disputa política de narrativas sobre a pandemia. Uma disputa pela História.

Burjato, que defendeu sua tese de doutorado no ano passado, comenta que a pintura histórica foi, por muito tempo, considerada um gênero mais nobre e elevado. São imagens em geral religiosas, mas também literárias ou históricas, como Independência ou Morte (Pedro Américo, 1888), que se tornaram símbolos de um momento histórico. Com a virada do século XX,  saiu de moda essa tendência, que, na sua visão, não parece se encaixar com o Modernismo, salvo exceções como Guernica (Pablo Picasso, 1937). O que perdeu espaço na pintura seria, posteriormente, acolhido pelo cinema: “Não é contar a história, é dar um rosto”, diz Burjato. “Quando eu era criança, pra mim o rosto de dom Pedro era o de Tarcísio Meira.” E, imaginando, comenta que Diário pode, à sua maneira, servir como um registro do agora. 

A série surge do reencontro com desenhos descritivos ou ilustrativos, o que sempre chamou a atenção do artista, mas não se mostrava em sua obra: “Acho que Diário traz características que meu trabalho tinha no começo da carreira. Foi um jeito de incorporar aspectos do desenho que continuei fazendo em casa”. Foi igualmente um momento de ensimesmamento de seu criador, que canalizou nos desenhos a energia poupada nos meses de isolamento, sem aulas nem compromissos públicos. Burjato nunca produziu tanto: os retratos foram mais de cem, isso sem contar as telas  pintadas a tinta guache ou a óleo. Por isso, ainda é incerto dizer em que aspectos a série se aproxima ou se afasta de seus trabalhos anteriores; é o tempo que vai dizer. Da mesma forma que aguardamos o futuro para compreender como a experiência de viver uma pandemia afetou e modificou cada um de nós, artistas ou não.

JOÃO BESSA

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