
JOÃO LOUREIRO

João Loureiro
Serpente, 2021
Drywall, MDF, jiboia-constritora (Boa constrictor constrictor), substrato de fibra de coco, instalação elétrica
As paredes desta sala foram construídas a cerca de 4 metros das paredes originais. Os vãos, conectados por um túnel sob o banco, foram adaptados para receber uma cobra.
O animal que habita este trabalho não foi retirado da natureza. Foi adquirido em um criatório regulamentado pelo IBAMA. Todas as providências foram tomadas para garantir seu bem-estar.
Enquanto estiver na sala, permaneça em silêncio.
Apoio: Sé Galeria
João Loureiro
1972, São Paulo, SP
Vive e trabalha em São Paulo.
Mestre em Poéticas Visuais pela ECA-USP (2007) e licenciado em Artes Plásticas pela FAAP (1995).
Fez individuais como Peixe-Elétrico-Moto-Clube, (2019, Sé Galeria, SP), Reprodução Assistida, Projeto 1:1 (2018, Galeria Jaqueline Martins, SP), Fim da Primeira Parte (2011, Galeria Vermelho, SP), Blue Jeans (2009, Projeto Octógono de Arte Contemporânea da Pinacoteca do Estado de São Paulo) e Reaparição (2008, Paço Imperial, RJ), entre outras. Participou das exposições: Modos de Ver o Brasil: Itaú Cultural 30 anos (2017, Oca, SP); Brasil, Beleza!? (2016, museu Beelden aan Zee, Haia/Holanda); Ao Amor do Público (2016, MAR – Museu de Arte do Rio); Imagine Brazil (2015, Artists Books DHC/ART Foundation for Contemporary Art, Montreal/Canadá); Open Borders/Crossroads Vancouver Biennale (2014, Vancouver/Canadá); Panoramas do Sul – 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, (2013, Sesc Pompeia, SP); In Situ – Arte en el Espacio Público (2012, San Carlos de Bariloche/Argentina); MAM na OCA: Arte Brasileira no Acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo (2006, Oca, SP); e Panorama da Arte Brasileira (2005, MAM-SP); entre outras. Recebeu, em 2004, a Bolsa Vitae de Artes Visuais; em 2007, foi premiado no Edital Arte e Patrimônio – IPHAN/MINC/Petrobras, pelo qual realizou a instalação permanente JAZ, em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul.
Site: https://www.joaoloureiro.info
Diante dos trabalhos de João Loureiro, a reação mais imediata à observação costuma ser a de que ali houve uma interrupção de temporalidade, de uma narrativa ou de qualquer outra forma da normalidade. Uma certa fantasmagoria que recobre, também com senso de humor, objetos ordinários e símbolos genéricos. Os passos seguintes à sensação e à elaboração dessa reação primária é a percepção de uma artificialidade latente, que foi acrescentada aos objetos pelo artista e que, ao mesmo tempo, revela-se já intrínseca a eles.
Em Serpente, essa artificialidade não é em si mesma resultado da operação de deslocamento – que pode ser entendida como a transferência de um objeto para o espaço de uma galeria ou como qualquer alteração nele feita pelo artista. Ao contrário: a princípio, tudo está como deveria ser. O que se dispõe ao público, em Serpente, é o cubo branco. Salvo o fato de que, na Dizer Não, se, trata mais de um cubo-branco-encardido e mal-acabado ou, se preferir, off-white e rústico, aquele é o espaço da normalidade para as exposições de arte contemporânea. Mais ainda, inclusive, do que os outros ambientes do galpão ocupados pela mostra.
Nesse sentido, o espaço “normal” de uma galeria, que é o acessado pelo público, ganha aquela camada de estranhamento, porém menos visível ou imediata do que em outras obras do artista. Para os mais desatentos à ficha técnica, afixada na entrada da sala em que habita Serpente, também é possível perceber, depois de certo tempo, que as paredes que os circundam foram erguidas recentemente; seja porque a dimensão da sala não é compatível com a continuidade das janelas nem com a arquitetura do edifício, seja pelas marcas de trabalho ainda visíveis nas juntas do drywall – vestígio que necessita ser apagado para considerar paredes brancas bem-acabadas.
Assim, informados ou não pela legenda da obra, ofidiofóbicos ou não, como se o ambiente os constringisse, se levanta no visitante a suspeita contra aquele cubo branco e, por vezes, contra a própria autoridade das informações presentes na ficha técnica.
A desconfiança no que está documentado e a espera pelo bote iminente de uma ameaça são sentimentos comuns a todos os que estiveram no Brasil nos últimos anos, seja pela paranoia e pela nostalgia, seja por apreço à democracia. Para o segundo grupo, porém, as causas desse medo e dessa asfixia têm se tornado cada vez mais nomeáveis e tangíveis nas ações do governo e dos seus apoiadores. No entanto, mais do que alertar para o ovo da serpente que teria chocado durante o processo eleitoral de 2018, o trabalho de Loureiro lembra a estrutura que manteve essa serpente viva e rastejante.
Não por acaso, o drywall, mais barato que o concreto, mais moderno que o Eucatex e menos transparente que o vidro, é o material por excelência também dos escritórios, dos stands de venda de imóveis e das galerias comerciais – que, com sua brancura e neutralidade, reabrem e brotam como cogumelos neste momento do “novo-normal” e do “reaquecimento da economia”.
Mais uma vez, com o trabalho de Loureiro, passamos a estranhar, ou ver a artificialidade já existente, na normalidade e na neutralidade que têm as paredes das galerias de arte, dos comércios e dos escritórios. São todas elas habitadas por esse ser invisível, sempre à espreita, que celebra as crises e se alimenta das políticas de morte, muito antes de qualquer demonstração grandiosa de barbárie. De um bote. No fim, tudo está como deveria ser.