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LAURA ANDREATO E MUITASKOISAS

Laura Andreato e MuitasKoisas

Negativa, 2021

Negativa é uma grife de pixo criada a partir do diálogo entre as artistas MuitasKoisas e Laura Andreato. Os registros das ações e dos diálogos encontram-se no site https://www.contracorte.com/negativa

Laura Andreato e MuitasKoisas 

Laura Andreato

1978, São Paulo, SP

Vive e trabalha em São Paulo, SP.

É artista visual e arte-educadora graduada em Artes Pásticas pela ECA-USP, com mestrado em Poéticas Visuais. Atualmente cursa o doutorado na mesma instituição. 

Desde 2001, participa de exposições individuais e coletivas em museus e galerias no Brasil e no exterior, das quais destacam-se as mostras Pensamiento Salvaje, parte da Bienal Sur (2017, Casa Nacional del Bicentenario, Buenos Aires); Le Royale (2014, La Maudite, Paris) e Deslize (2014, MAR, RJ).

Site: https://laurandreato.com 

 

MuitasKoisas, 

1995, São Paulo, SP

Vive e trabalha em São Paulo, SP.

É poeta marginal, estudante de artes na "Belas Ruas", multiplicadora cultural, alquimista e educadora informal. Acredita na educação e na arte como agentes transformadores do status quo da sociedade. Concilia suas atividades urbanas, seus projetos sociais e “muitas koisas” que produz, em diversas linguagens artísticas, com seu trabalho em comunicação social.

Instagram: @incomoda.muita.gente

É TUDO MAL DIVIDIDO

A dissolução do objeto na arte já é uma conversa antiga. No entanto, um trabalho que se espalha por meio de palavras pelas paredes de todo um prédio, pelas ruas de uma cidade, pelo terreno insólito do virtual e, em sua própria forma, tem um caráter de alastramento infinito por qualquer superfície submetida à escrita recoloca no debate a questão do objeto e, em última instância, da própria compreensão do que é arte. Esse é o caso de Negativa, grife de pixo criada por Laura Andreato e MuitasKoisas (MTKS), elaborada na ocasião da exposição Dizer Não, em 2021. 

A presença do pixo em um espaço da arte é, historicamente, tensa e subversiva, porque borra as fronteiras entre a rua e o ambiente privado, entre as formas tradicionais de arte e as linguagens pouco usuais, entre o que é permitido e o que foi ocupado. Do episódio icônico da invasão dos pixadores na 28º Bienal Internacional de São Paulo, em 2008, aos inúmeros artistas que saem do pixo para a arte contemporânea, a barreira entre os campos da arte e da pixação é embaralhada e, por isso mesmo, pauta para discussão, já que há ganhos e perdas nessa intersecção. Nesse campo de debate, a  posição de Negativa é firmada por meio de palavras de MTKS: “Com esses rabiscos ariscos, nosso grito provocativo. Nossa arte como ferramenta de denúncia. Vandalismo quem faz é o sistema, nós fazemos arte”. Melhor elucidação não há. 

 

Negativa incorpora os aspectos insubmissos da história do pixo tanto em sua forma como em seu conteúdo. Confunde os limites entre uma troca de cartas privadas e sua reprodução nas paredes, seja no interior do Ateliê397, seja nas ruas para as quais vai o símbolo da grife. Confuso também é delinear a dimensão formal de Negativa: é ela a tipografia específica da grife, as cartas trocadas entre Laura Andreato e MTKS ou a proposição inicial de negação absoluta frente às barbaridades do tempo presente? Essa confusão, no entanto, é onde está a grande potência da ação artística de Negativa, seu aspecto mais instigante e profundamente político. 

Em um tempo de isolamento social, Laura Andreato e MTKS dialogaram, mesmo que a distância, e criaram juntas essa grife. A conversa das duas artistas sobreviveu ao período da exposição Dizer Não e permanece ainda hoje em diversos cantos do Galpão Cru, das ruas do entorno e em outros endereços de que nem mesmo tenho conhecimento. A grife nos convida a integrá-la, a reproduzir em outras superfícies essa Negativa. O trabalho tem um começo – domingo, 30 de maio de 2021, às 15:41h, quando Laura Andreato escreveu a primeira carta –, mas não um fim. Até as fronteiras do tempo e do espaço Negativa dissolve. 

 

Vejo que, para além do conteúdo escrito em frases soltas pelo espaço, nas cartas produzidas e reproduzidas em diferentes meios e na própria grife (negativa: substantivo intencionalmente feminino que designa o ato de recusa | grife: na pixação, é um coletivo com uma caligrafia característica), a dupla de mulheres artistas responde à convocação para dizer não pela arte, com um trabalho processual subversivo como um todo: é uma forma visual, uma ação, um texto, uma coletividade, tudo ao mesmo tempo. 

Em um determinado momento da troca de cartas, MTKS diz que “a gente diz não é subverte regra de público e privado porque é tudo mal dividido”. Essa divisão borrada, mas ainda existente, vai além da noção de público e privado e alcança todos os aspectos de Negativa que tentei elencar. O lugar incerto desse trabalho é grandioso porque não quer se adequar em discurso fechado nenhum. Justamente por isso, é assunto de discussão, e acho que essa ação, hoje, é o que compreendo como arte. 

 

BRUNA FERNANDA

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