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PABLO VIEIRA

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Pablo Vieira

Quero ser grande, 2021

papelão, acetato, madeira, componentes eletrônicos e discurso de Jair Bolsonaro

Pablo Vieira

1989, São Paulo, SP

Vive e trabalha em São Paulo, SP.

Formado em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Pesquisa as implicações culturais incutidas no ato laboral, bem como no próprio trabalhador, produtor de capital simbólico. Em sua produção, utiliza-se de inputs cotidianos – provocados pela vida na metrópole, pela religiosidade e pelo estudo da natureza – como disparadores para propor um olhar sobre a subjetividade daquele que produz para o consumo (artista, artesão, operário). 

Desde 2012, é membro integrante da dupla de artistas associação massa falida, grupo com o qual participou do Programa de Residência Internacional JA.CA, em 2016 (Nova Lima, MG), do Programa de Residência Artística Tofiq House, em 2015 (São Paulo, SP) e da 7ª edição da Red Bull House of Art, em 2014 (São Paulo, SP).

Site: https://pablovieira.weebly.com 

A ARTE INGÊNUA DE PABLO VIEIRA

Pablo Vieira é um artista ingênuo. Quem o conhece sabe. Quem vê sua obra infere.

A resposta de Pablo à pergunta posta em Dizer Não é simples: uma caricatura de Bolsonaro.

Após acionar o interruptor – afixado num pote tipo tupperware – o autômato do presidente se animava e o espectador ansioso se aproximava para ouvir um discurso ou descobrir o que fazia o robô:

Com a boca abrindo e fechando de forma ritmada, aquele amontoado de lixo tentava com certa dificuldade balbuciar alguma palavra mas, invariavelmente, só liberava da boca um líquido preto – presumidamente chorume; Os óculos escuros evocavam a imagem do torturador Ustra, a quem sabidamente a figura ali representada nutre admiração; A gravata ao redor do pescoço, signo de certa respeitabilidade, neste caso feita com o rótulo de Coca-Cola, jocosamente relembra a submissão daquela autoridade ao capital internacional. Coroando o chiste, uma faquinha adornava o lado direito do abdome do brinquedo, onde se mantinha fixa perfurando o papelão.

Alguém poderia argumentar que existe nessa representação mambembe uma ironia displicente, beirando o infantil. Seguindo nesse cenário hipotético, também seria possível deduzir que se argumentaria que no momento em que recai sobre a esquerda, mais do que nunca, a guarda do esclarecimento e do debate racional, o argumento de Quero ser grande é disparado insuficiente – ainda que, indiscutivelmente, nos logre o velho prazer de participar da chacota contra um inimigo comum.

Mas talvez este fosse, no momento, justamente o gesto mais apropriado – ou possível – diante do mandatário do país. Estávamos todos com raiva, desesperançosos e esgotados e, ainda assim, passíveis a nos chocar e nos desapontar uma pontinha mais a cada declaração ou escolha do governo federal.

O chiste surge justamente nessas situações: Sem força, cansados demais para elaboração, ebule à superfície algo que extravasa nossa raiva. O mínimo esforço para a máxima recompensa possível: o riso. Fosse um sorrisinho com o canto da boca, o riso discreto – aquele em que um ar sai mais forte das narinas – ou uma risada alta e prazerosa.

Diante de Quero ser grande, reconhecer quem era representado na obra, decifrando seus signos, um a um, dava prazer (ah o clímax de encontrar a faquinha enfiada do lado direito do abdômen do boneco!). Assim como, em seguida, associar aqueles signos às características de Bolsonaro – sejam associações rasteiras com o lixo, às mais sofisticadas, que envolviam olhar o presidente como um fantoche ou uma distração para que coisas mais graves aconteçam nos bastidores – nos dava o prazer de fazer parte da piada – e de não ser vítima dela. Também precisamos disso, precisamos sobretudo diante da impotência da qual nos víamos diante em agosto passado.

Mas existe mais a ser tratado. Seria ingênuo associar a limitação material do que constitui a obra com uma limitação argumentativa.

Um possível falso cognato para “ingenuidade” é ingenuity. A palavra inglesa denota engenhosidade, criatividade, esperteza. O MacGyverismo para a construção de um boneco funcional de materiais que seriam descartados. O saber das gambiarras. Nesse sentido, a obra de Pablo retoma uma certa arte pop brasileira. - da tecnologia e do consumo mediados pelo atraso. Olhando por esse lado, Quero ser grande é um aparato tecnológico, construído com os precários materiais dos quais o artista latino-americano tinha à mão. A logomarca da Coca-Cola no trabalho de arte, inclusive, já foi mobilizada aqui neste mesmo texto como símbolo da relação subalterna do Brasil ao capital estrangeiro e ao imperialismo. Pop brasileiro por excelência!

Contudo, mais do que tentar localizar o trabalho na esteira de um Nassar ou de O Herói de Maiolino, olhemos para a precariedade do presente.

Em 2021, momento em que foi organizada a exposição, os artistas se viam muito mais familiares com a precariedade. Fosse pela falta de recursos para agir diante da barbárie, fosse por vê-la crescer através dos noticiários ou por de fato terem convivido com a precariedade pela falta de trabalho e de dinheiro.

 

É possível que Quero ser grande dê uma outra resposta ao momento que viviam – e que vivemos. Pablo Vieira, quando utiliza tais materiais, recolhidos na rua, nos leva para a cidade de São Paulo e para a Cracolândia.

Talvez, então, Quero ser grande diga que o ingênuo é crer que os artistas, críticos e curadores, em seu ofício confinado ao cubo branco e à academia, possam responder à barbárie que vivemos e alterá-la.

Pablo Vieira aborda a precariedade materialmente no Birico, terreno onde são muito mais palpáveis e mãos na massa as possibilidades de intervenção social pela arte. 

Cada vez mais, é reiterado o lugar da arte como ação coletiva, de ligação com os territórios e como processo inacabado. Reiterado mesmo na Dizer Não, com obras do JAMAC e Graziela Kunsch. 

Desde então, a ocupação Estamos aqui no Sesc Pinheiros, do Birico, no Sesc Bom Retiro e de Mônica Nador e JAMAC no Sesc Santo Amaro, bem como a última Documenta, apontam para a retomada com maior radicalidade da arte que assume essa forma.

Finalmente, não vamos esquecer que quem diz a todos “o rei está nu!”, é uma criança.

 

LUCAS GOULART

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