REGINA JOSÉ GALINDO
Regina José Galindo
Monumento a las Desaparecidas (Berlim, Alemanha, Galerie Im Körnerpark), 2020
Performance, Video 09' 03''
Regina José Galindo
1974, Ciudad de Guatemala, Guatemala
Vive e trabalha na Guatemala
Artista visual e poeta, utiliza como meio principal a performance. Seu próprio contexto é o ponto de partida para explorar e denunciar as implicações éticas da violência social e as injustiças relacionadas à discriminação racial e de gênero, assim como os abusos dos direitos humanos provenientes das desigualdades endêmicas nas relações de poder das sociedades contemporâneas.
Recebeu o Golden Lion for Best Young Artist na 51ª Bienal de Veneza, pelos trabalhos ¿Quién Puede Borrar las Huellas? e Himenoplastia – duas peças cruciais de sua obra, que criticam a violência guatemalteca proveniente de conceitos errôneos de moral, bem como de violência de gênero, enquanto exigem restituição da memória e da humanidade das vítimas. Em 2011, recebeu o Prêmio Príncipe Claus dos Países Baixos. Participou das 49ª, 53ª e 54ª edições da Bienal de Veneza, da Documenta 14, da 9ª Bienal Internacional de Cuenca, da 29ª Bienal de Artes Gráficas de Ljubljana, da 11ª Bienal de Shanghai, da XXXI Bienal de Pontevedra, da 17ª Bienal de Sidney, da 2ª Bienal de Moscou, da 1ª Trienal de Auckland, da Exposição Veneza-Istambul, da 1ª Bienal de Arte e Arquitetura das Ilhas Canárias, da 4ª Bienal de Valência, da 3ª Bienal de Albânia, da 2ª Bienal de Praga e da 3ª Bienal de Lima.
Site: https://www.reginajosegalindo.com
À plena vista, principalmente nas cidades, os modos de vida, os hábitos que estruturam o cisheterocapitalismo vêm se repetindo. Estátuas e monumentos costumam ser, nas realidades endereçadas no Brasil – país que mais tem matado mulheres trans e travestis –, figuras da malha urbana que passam batidas por grande parte da população. Assim como ocorre em tantas outras localidades do planeta onde a influência espanhola, portuguesa e/ou inglesa pôde alcançar-destruir as estruturas sociais correntes.
É bem verdade, também, que a produção dessas obras de arte pública, em larga medida, ocorreu para assegurar a lembrança de condes, duques, comerciantes, juízes, militares e demais pessoas que constituíram a aristocracia das capitanias, províncias e posteriores estados brasileiros. Entretanto, é importante questionar: a quem interessa recordar esses tantos homens responsáveis pela instalação do grande sistema de tráfico que podemos testemunhar nos dias que correm? Ou como poderia ser mais pertinente às populações negras-indígenas encarar quem foi responsável por incitar, mais ou menos diretamente, saques, pilhagens, sequestros, estupros e crimes correlatos, que são, ao mesmo tempo, estruturantes do advento das repúblicas modernas e seus índices?
Ao conjurar um Monumento a las Desaparecidas para produzir a videoperformance, a artista guatemalteca Regina José Galindo associa estatísticas de órgãos federais de seu país natal acerca da violência – física, sexual, psicológica, econômica – contra mulheres (segundo números do alerta Isabel Claudina, na altura de elaboração da obra, aproximadamente 28 desapareciam por semana) ao jardim da Galeria do Körnerpark, em Berlim. Assim, Musa Mattiuzzi, junto de Ixmucané Reyes, Citlali Huezo e mais 24 performers, baixo um tecido acinzentado, a olhos vistos de quem passa ao redor, sob as flagrantes horas do dia até pouco depois do crepúsculo, torna-se opaca por entre silvares e vozes abafadas. Desde alguns ângulos do plano-sequência, pode parecer que elas nem sequer estão lá, ainda que sigam plantadas exatamente onde foram planejadas, por entre esculturas em pedra de pequenas ninfas, ao estilo neobarroco, figurantes do paisagismo/arquitetura que serve de suporte à intervenção e testemunhas mudas, portanto, de tudo o que ocorre lá.
Dessa forma, a desaparição parcial que vemos, análoga àquelas em decorrência dos sequestros rumo a paradeiros estrangeiros ou como fuga da subserviência impingida pela estrutura da família patriarcal, resvalaria então uma política mundial de guerra às drogas, incitada pelos Estados Unidos da América, expressivamente, a partir dos anos 1960. E que, à plena vista e com o consentimento transnacional, mais promove o acirramento das desigualdades sociais/de gênero, impulsionando migrações atreladas a esquemas de tráfico de pessoas, em particular de mulheres e crianças das comunidades maia, garífuna, que são estabelecidas nos grandes centros do norte global como coisas, objetos, repetindo o roteiro da escravidão transatlântica – cuja abolição nas ex-colônias americanas foi, em muitos casos, cláusula pétrea da proclamação da república/independência.
Parece incontornável, logo, a necessidade de se refutarem veementemente as atualizações do papel de celeiro de mão de obra escrava, gêneros alimentícios e recreativos a terras que foram identificadas como Novo Mundo, criado para abrir suas veias e ceder seu sangue em prol da eterna juventude do Velho Mundo. E de se esconjurarem as assombrações vampirescas desembarcadas há pouco mais de meio milênio.